A partir deste trecho, e por um bom tempo, apareceram uns cansativos aclives, como se o percurso tivesse sido preparado propositadamente árduo, por alguém com um grande senso de humor negro. Ele aumentava consideravelmente a quantidade de terreno arenoso nas subidas, atrapalhando muito o desenvolvimento das passadas. Esta areia não era a que vemos normalmente em praias. Ela era tão fina que os pés afundavam como se eu estivesse numa duna do Saara. E, quanto mais surgiam rampas à minha frente, mais aparecia esta areia!
Em alguns momentos era possível correr pelas laterais ― onde havia uma vegetação similar a um relvado ― na tentativa de não afundar os pés. Porém, após algumas poucas dezenas de metros, tornava a surgir uma planta espinhenta na margem, o que me obrigava a voltar pra areia. E assim continuei, em um zigue-zague, por bastante tempo.
Ao final desta sequência, fui premiado com uma vista fascinante de um lindo vale em que a predominância de verdes arbustos, colocados equidistantes uns dos outros tal qual um latifúndio de monocultura, me obrigou a diminuir a velocidade e admirar toda aquela beleza que, naquele momento, era uma exclusividade minha, já que eu era o único cruzando a região durante aqueles dias.
O percurso de descida pro vale serpenteava perigosamente a crista da montanha, em uma passarela de dois palmos de largura, obrigando mais do que nunca a manter a atenção completamente voltada pro caminho, sem poder continuar desfrutando a maravilhosa vista. Mas isto era recompensado pelo prazer que sempre senti em trilhas deste tipo, em que a falta de atenção pode resultar em um acidente de incalculáveis proporções.
Com pouco mais de cinco horas e meia de atividade, cheguei ao fundo do vale e, quando percebi, estava subindo a encosta de uma montanha. Como o caminho parecia bem demarcada neste trecho, continuei por mais algum tempo. Porém, após uma guinada no caminho, que me deixou praticamente de costas à direção que vinha mantendo há algum tempo, pensei que a melhor atitude a tomar naquele momento seria parar e me orientar.
Analisando detidamente o material de navegação, concluí que, caso estivesse onde imaginava estar, não poderia haver um aclive ali!
Tendo ganho uma certa altura neste trecho da encosta, pude ter uma boa visibilidade de toda a região. E, o que me chamou a atenção, foi um leito de rio seco distante uns quinhentos metros à minha direita, seguindo paralelamente ao que imaginava ser a direção correta. Ao invés de usar a bússola e alguns pontos da região, com o intuito de posicionar o mapa, simplesmente constatei nele o desenho do curso hídrico, exatamente na mesma posição que estava vendo na realidade. A vontade de continuar correndo falou bem mais forte nesta hora e, rapidamente, fui convencido pela minha vontade de que os dois cursos d’água, no material de navegação e no mundo real, eram o mesmo. Como já mencionei antes, não existe nada mais desagradável a um corredor de trilhas do que parar e se orientar ― problema de um passado distante, antes da proliferação dos GPS. Estes preciosos minutos perdidos são suficientes pra abaixar a frequência cardíaca e sair do steady state, o “piloto automático” que te mantém em velocidade “cruzeiro”, com seu metabolismo suave, quase anestesiado. Exatamente visando não atrapalhar este estado, tentei fazer tudo da maneira mais rápida possível. Assim, neste momento, baseado nessa ânsia de continuar em atividade, tomei uma decisão que pareceu acertada na hora, mas se mostrou fatal algum tempo depois: seguir dentro do leito ressequido até o momento em que haveria uma grande curva pro norte, onde o percurso correto cortaria o rio, sempre segundo o mapa. Neste local, novamente seguiria pela trilha. Afinal, o curso de água que estava vendo era, “sem dúvida alguma”, o mesmo do material de navegação. Dessa maneira, com a opção que escolhi, havia definido como seria o resto desta aventura…